segunda-feira, 13 de maio de 2013

A Esperança do Patinho Bobo da Corte






“Reality – A Grande Ilusão” está distante de ser um filme-tese sobre a busca cega pela fama. O longa-metragem de Matteo Garrone, vencedor do Grande Prêmio do Júri de Cannes 2012, faz um tratado nada otimista da esperança. É a história de Luciano (Aniello Arena), um simples comerciante e insignificante fraudador, que troca o viver pelo esperar. Se deteriora socialmente e emocionalmente como um religioso com fé de remover montanhas imaginárias.

O diretor dá a ré, acelera e passa por cima do tema “realidade e representação”, já desgastado pela enxurrada de BBBs e similares, combatidos e festejados por grupos que estão nos extremos da pirâmide pensante. O Big Brother Itália é apenas uma apropriação de um objeto que anima plateias nos bares da intelectualidade. Poderia trocá-lo por qualquer símbolo de sucesso e poder desejados por muitos:  de “ganhar na loteria” a “receber a garantia divina do Céu eterno”.

O roteiro reúne em cena os habitantes típicos do bico da bota europeia. E desnuda o universo simpático e cafona que ronda a classe média periférica das nações emergentes, das ricas e das decadentes do planeta global. Gente humilde, escandalosa e com sede de um algo mais que o consumismo e a diversão efêmeros não podem oferecer. Querem beber na fonte do extraordinário e sair definitivamente da inércia provocada pela rotina.

O bobo desta corte é justamente o peixeiro Luciano. Jogado na cova das serpentes célebres, o patinho tolo será digerido e cuspido. Um processo doloroso que a vítima não sente. A anestesia do astro de “Reality” é a tal da esperança, produto vendido nas igrejas, nos comícios, nos livros de autoajuda e naquele papo amigo regado a chope de sexta-feira à noite.

Quem está em torno do anti-herói sofre, sorri e lucra, dependendo do grau de parentesco e de amizade.  O público também. Sorri no início, sofre com a degradação do personagem e lucra com um filme inteligente, com um fim irônico e doloroso.


domingo, 28 de abril de 2013

"Abismo Prateado": O Silêncio Estridente do Abandono


"Abismo Prateado" trata do som estridente e do silêncio profundo da rejeição.Mostra que o efeito do fim de uma relação sobre o outro tem a força de uma onda despencando na impávida e imóvel areia. O filme de KarimAïnouz assim é uma ópera ensurdecedora que serve de introdução à canção de Chico Buarque inspiradora da obra cinematográfica.
No centro do drama, Violeta canta uma ária dissonante. É uma soprano sem palco e plateia. A queda da personagem central é visceral (real e metafórica). A mulher desaba diante do abandono covarde e mudo do Amor e segue de perto a letra de “Olho nos olhos”. Quase enlouquece.
O abismo desenhando por Aïnouz parece não ter chão. Longe de se deixar levar pela tentação da interpretação literal da letra de Chico, o roteiro aprofunda a dor e oferece uma cicatrização natural e surpreendente como a simplicidade da vida.  Convoca outros seres à beira do abismo para iluminar o caminho de volta.
Este pequeno filme é grande pela segurança que o diretor conduz cenas com poucos diálogos e as une; e o desempenho de Alessandra Negrini. Uma história sem explicações fáceis, justificativas lógicas e psicologismo de folhetim exigiu tanto de Aïnouz quanto da atriz um esforço extra para criar uma obra digna da original.
No fim da (minha) sessão, parte do publico reclama da falta de um fechamento dramático, de um (re)encontro salvador e de uma definição mais clara dos destinos. Reclamam como se não soubessem que, na vida Real e talvez na letra de Chico, o abandono e a rejeição deixam marcas que nem uma melodia (e muito menos um filme) é capaz de curar.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Uma Negociação com Til Maiúsculo

O cinemão é um aumentativo. É para quem não é um bom entendedor e precisa de muito mais do que uma palavra completa. Duas não. Incontáveis palavras e imagens claras e frases e cenas objetivas. O clichê é apenas uma consequência que se tornou uma marca do estilo industrial de fazer cinema com “a, o,  til”. Raramente é evitado por completo.  Obra mediana, como “A Negociação” ("Arbitrage"), se serve dele acompanhado de dois e três toques de originalidade
 
Aqui é um par.  Duas boas ideias amenizam o “ão” do filme de Nicholas Jarecki: a dor (anti)ética e real do protagonista e a (quase) ética da minoria racial e social americana encarnada por um jovem do Harlem. São bases fracas que sustentam o roteiro. Sem elas, a história singraria pelo caminho do lugar comum.

“A negociação” traz aquele empresário sexagenário charmoso Robert Miller (Richard Gere) à beira do abismo e da falência que precisa vencer o tempo e fechar a venda salvadora de sua empresa financeira a um grupo capitalizado. Entre a cama da esposa contemporânea (Susan Sarandon) e a da jovem amante artista plástica (Laetitia Casta), vai desenhando o golpe perfeito. Um acidente de carro com morte muda a direção e dá a partida para um jogo de ratos e ratos.

O ritmo é o mesmo de outros filmes da categoria thriller-capitalismo-selvagem. E ágil para não cansar. O elenco principal completa a estética da direção veloz com atuações técnicas e satisfatórias. Há até uma pequena virada no final para autenticar o estilo fast-film.

As tais duas ideias são menos originais que eficientes para a narrativa. As dores internas provocadas pelo acidente vai marcar Miller e o desempenho de Gere durante 80% do tempo. O filme grita que o nosso anti-herói de cabelos brancos sente, em silêncio, a hemorragia moral.

Jimmy Grant (Nate Park) o rapaz negro leal é uma ponta de sofisticação e de ambiguidade de “A Negociação”. Aceita ser peça de manipulação em respeito aos valores americanos. Sejam eles quais forem: moeda, honra...

A moral Grant e as dores de Miller são o til maiúsculo desse cinemão americano esquecível.