segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O Lãs Meninas, de Manoel de Oliveira

O diretor português Manoel de Oliveira, 101 anos, reabriu a caixinha misteriosa da "Bela da Tarde" e fez um bonito e irônico filme. “Sempre Bela” (Belle Toujours - França/Portugal, 2006) é uma homenagem artesanal ao clássico de Luis Buñuel. Uma obra de referência com vida própria, como uma Lãs Meninas, de Picasso.

A ironia citada começa já na abertura (da caixa de Buñel) simples com a peça clássica executada pela Orquestra Gulbenkian. É nesse ambiente burguês que Séverine Serizy (Bulle Ogier) terá o desconforto de se encontrar com o passado interpretado pelo sádico Henri Husson (Michel Piccoli).

Henri vai persegui-la como uma sombra sobre a cidade luz. A cena da saída do personagem do teatro é um resumo do espírito da missão a ser cumprida: caçar e torturar. Ele rouba a energia (das luminárias externas do prédio) e confunde as regras (do trânsito).

Rico e sofisticado, o Henri, do Oliveira, compra e seduz no varejo, das prostitutas angelicais ao garçom cúmplice dos segredos dos clientes. Até mesmo o cineasta português entrega o filme ao coadjuvante do diretor espanhol e deixa a ex-estrela Séverine na periferia da narrativa.

E sob a batuta de Oliveira, Paris se transforma num labirinto iluminado pelo holofote da Torre Eiffel. O cenário é uma criação para desorientar a mulher que um dia foi a dona do (seu) desejo.

O jogo montado pelo diretor é uma narrativa simples. Um gato e uma rata no ritmo de uma sinfônica. Oliveira abre espaços para breves silêncios: são diálogos que trazem o (outro) roteiro de Buñel e Jean-Claude Carrière para dentro da nova história.

A isca para atrair a vítima (e o público) para um final de rara beleza é o segredo não revelado no original. E todos caminham para a armadilha. Séverine e os espectadores descobrirão o quanto a tortura dá prazer (ao algoz e à vitima). O jantar a dois a (ausência de) luz de velas perturba e hipnotiza a convidada e quem pagou para ver até o fim os 68 minutos de “Sempre Bela”.