quarta-feira, 28 de março de 2012

O Irã é em Laranjeiras, na Vila Madalena, em NY...

Teresinha de Maomé. De uma queda, foi ao chão. Acudiram três cavaleiros. Todos os três com o Alcorão na mão. O primeiro foi seu marido. O segundo foi seu patrão. O terceiro foi aquele idoso que a Teresa deu a mão. “A Separação”, o filme iraniano da vez (Oscar, Globo de Ouro, Ursos em Berlin etc) é uma ciranda amoral. Um jogo de empurra de homens e mulheres no limite da existência (física, psíquica ou financeira). Sem véus, duas famílias de classes distintas entram em colisão numa história movida por inverdades e meias-mentiras.

A originalidade do longa de Asghar Farhadi  está no lugar comum do cinema da terra dos aiatolás: a simplicidade.   O roteiro traz enredo de carne e osso, contemporâneo e universal. A câmera mostra uma mulher  da periferia grávida e casada com um desempregado inadimplente trabalhando em um lar classe média que começa a se desfazer após a esposa intelectual burguesa sair da casa onde vivem a  filha adolescente, o marido tenso e o sogro com mal de Alzheimer. Lendo assim é desanimador.

Vendo... O domínio que Farhadi tem do idioma cinema lhe permite conduzir e cruzar os dramas de cada personagem e tecer um painel impar e de fácil identificação. As ações e a lógica da elite e dos serviçais poderiam estar na carioca Laranjeiras, na paulistana Vila Madalena ou no sul de Manhattan.  E o acidente ou crime que move “A Separação” – o aborto da empregada provocada por uma queda – é quase um pão no nosso dia a dia. Vide o caso Thor: o jovem milionário estava em alta velocidade ou a vítima imprudente cruzou a via?

As duas famílias (iranianas) são tão reais e tão próximas de nós porque falam a língua da contradição humana. Não há espaço para o bem versus o mal. Nem no ambiente externo e nem na consciência. Os atores dessa sutil tragédia mostram que o bom e o ruim são a cara da mesma moeda. As exceções são a filha da empregada, uma criança, e o idoso infantilizado. Este é o anjo exterminador inocente que vai empurrando os personagens lentamente para o xeque.

É quase redundante dizer que o elenco é refinado e passa longe do exagero ou do falso brilho das interpretações do cinema comercial. Não é um filme de soluções fáceis. O diretor não cede e o que surgem na tela é um tratado da falta de ética natural do novo século. Aqui, nem o Alcorão salva. Teresinha de Maomé e os três cavalheiros vão continuar ao chão.