segunda-feira, 27 de junho de 2011

Midnight in Paris: bela fantasia trocada por euros

A fantasia é um lago sem fundo. E os (des)iludidos costumam ser presas fáceis nessas águas turvas.

A psicologia rasteira e barata da resenha cinéfila está em cartaz no complexo de salas mais próximo de casa. Por R$ 20 tem-se diversão densa, passageira e inteligente.

“Meia-Noite em Paris” é diversão (um conto de fadas) densa (com intelectuais e artistas sofisticados), passageira (romance na França) e inteligente (uma crítica a Hollywood à Hollywood).

O novo de Woody Allen é simples diversão como uma fábula do roteirista comercial americano Gil (Owen Wilson) que, ao ter o sonho de ser um respeitado escritor cerceado pela noiva Inez (Rachel McAdams), pelo sogro e pela sogra pragmáticos e consumistas, se deixa levar por uma abóbora-carruagem diretamente para o conforto do passado mais-do-que-perfeito.

A história da fuga do real recebe pinceladas de literatura, de cinema, de música e de artes plásticas. Um time fantástico de enlouquecer qualquer candidato ao Pulitzer ou ao Nobel: F. Scott Fitzgerald, Zelda Fitzgerald, Cole Porter, Joséphine Baker, Pablo Picasso, Luis Buñuel, Salvador Dali...

A seleção permite a Allen ensaiar jogadas que fazem o público rir de referências das letras, das tintas, das notas e das telas. O encontro do artista-produto de 2010 com os ídolos da década de 20 não é um choque cultural. A vanguarda e a modernidade comungam dos mesmos desejos, prazeres, alegrias e melancolias. O impossível é aceito sem rugas e somos convidados a participar da festa.

Gil, como Allen, se banha em doses homeopáticas de sonho até se sentir ligeiramente alegre. A fantasia do aspirante a escritor é a infiltração que ele precisava para minar a realidade alavancada e reconstruir uma mais simples e humana.

O roteiro do diretor evita drama e provoca risos. Em Paris, a viagem no tempo e no espaço não causa solavancos para quem vê. É um surrealismo naturalista que flui nas interpretações teatrais dos ‘personagens históricos’, woodyalliana de Owen Wilson e correta de Rachel McAdams e de toda a trupe americana que a cerca.

A história, o elenco, a direção e os belos figurinos, cenografia e fotografia que reforçam os três tempos do filme valem os R$ 19,50 do ingresso. O trocado que falta é dado por Allen com suaves arranhaduras a uma ‘Hollywood’ descartável e rasa. “Meia-Noite em Paris” é o bom cinema americano que mergulha no lago da fantasia com estilo e elegância, simula erudição, faz autocrítica e emerge seguro com o previsto.

Personagem e diretor sabem que cinema e literatura de qualidade não são feitos por encomenda, com raras exceções fora da Renascença. O primeiro renunciou a (quase) tudo. O segundo não quis pagar para ver. Fez bonito e recebeu em euros.

sábado, 4 de junho de 2011

"Copia Fiel": A Marca Vermelha do Cinema Original

O cinema é das massas. A obra parida para a coletividade é mais arte quando do simples vai ao complexo sem aparentemente fazer um movimento sequer. "Copia Fiel" ("Copie Conforme") é simples: um diálogo entre uma fã e o objeto-escritor; dois monólogos de um casal em crise. É complexo: um diálogo entre um objeto-escritor e a esposa; dois monólogos de uma fã e do marido.

A primeira experiência ocidental do iraniano Abbas Kiarostami é um jogo. Um game que o filho da mulher-fã opera, no início do filme, com a mesma destreza do diretor ao longo de 106 minutos. A participação do adolescente não passa dos 10 ou 15 minutos iniciais. Serve como prólogo. Ele ou qualquer outro personagem infringiria a regra-par que segue o roteiro. São dois e quatro.

Às massas, o filme joga uma história de admiração de uma sofisticada francesa dona de antiquário (Juliette Binoche) por um escritor britânico (William Shimell). E continua oferecendo petiscos refinados e digeríveis durante o passeio da dupla por ruas da Toscana e galerias de um museu. É um vôo raso que prepara para o choque adiante.

É o impacto contra o espelho. O prato principal é servido em poucos minutos. Em uma cena (num café) faz-se o filme. A dupla é vista e se vê como um casal. Ou o casal deixa de ser visto e de se ver como uma dupla.

"Cópia Fiel" segue espelho adentro e vamos juntos rindo com os lábios meio trêmulos de quem desconfia do que vê. A dúvida instalada é sustentada pela interpretação da dupla Binoche-Shimell, pelos diálogos de Kiarostami e pela fotografia de Luca Bigazzi.

Binoche, premiada em Cannes-2010, e Shimell dão a certeza de quem são seus personagens: cópias e originais. Diretor e fotógrafo usam bem as tintas e as colas e montam um quadro naturalista.

Os exageros (da cópia ou do original) estão em poucos e exatos momentos na segunda parte do filme. O batom vermelho na boca de Binoche se repete pelas mãos de Kiarostami em doses equilibradas de nonsense, como os encontros do casal com outros de sua espécie, e pela de Bigazzi na cena-pintura do quarto de hotel.

"Copia Fiel" é Cinema (de sétima) Arte. A massa se deleita com teses do que é real (o escritor e dona de antiquário) e do que é falso (o marido inglês e a mulher francesa). Do que é verdade (o casal em crise) ou do que é representação (o autor e a fã). Quem gosta de cinema, também!