segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A Força e o Poder da Tela Pequena

Revela a lenda que os melhores roteiristas de Hollywood deixaram o cinema e migraram para as séries de TV no fim do século passado. A tese comprovaria a qualidade das últimas e a anemia de filmes comerciais americanos, salvos por efeitos especiais e elenco pop-estrelar.

A cultura audiovisual brasileira pavimentou a estrada para a mesma peregrinação nos anos 60 e a televisão nacional criou uma bela dramaturgia que continua gerando obras de primeira linha. Ao nosso cinema, nas décadas de 60 e 70, restou o hermetismo e a pornografia soft, com dezenas de exceções. Recentemente, movido por leis fiscais, renasceu, agiu e, parte dele se apropriou da linguagem hegemônica da telinha.

“Tudo pelo poder”  (trailer legendado) segue a lógica de muitas produções comerciais brasileiras dos anos 90 para cá. É tão bom quanto uma boa série americana. Ótimos atores, diálogos inteligentes, história esperta e direção correta. Uma soma de qualidades que resulta num filme regular.

Por que a matemática não ajuda George Clooney a realizar um longa de qualidade?  Pelo mesmo motivo que certos longas nacionais deveriam ser exibidas na televisão. O “jogo de poder” (ou a “perda de inocência” ou “rito de passagem”) desenhado na tela pelo ator-diretor esconde a fragilidade em personagens-atores carismáticos e band-aids de fatos da política real americana. O cinismo dos políticos e ações sem ética dos assessores de corar petistas liberais não são menos esquemáticas que o fator surpresa do filme chamado estagiária bobinha, loura e fatal.

O esquema, porém, não é simples. Com a qualidade de uma série, “Tudo pelo poder” empolga muitos com uma direção cuidadosa, frases divertidas e roteiro de idas e vindas (ou subidas e descidas).  Completa com o quarteto de protagonistas (sendo 2 coadjuvantes) de peso se divertindo nos  bastidores  da eleição do candidato ao partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos.


Falta a “Tudo pelo poder” a ousadia natural do cinema. Gasta-se duas horas para mostrar que no jogo sujo da política não há heróis e nem mocinhas virgens. Expõe os fatos como uma crônica bem escrita de jornal de segunda linha. Precisaria de mais meia hora para elaborar melhor a caminhada do personagem central da ilha dos sonhos e do idealismo ao continente da desilusão realista. Não basta contar bem a história da travessia.  É preciso recontar a travessia (universal) com a força e a linguagem que a tela grande exige e a pequena tenta copiar.


 O filme paga o ingresso com diversão e  entretenimento   (a)moral para classe média inteligente.  Nada muito diferente do que fazem as séries americanas para os assinantes de canal a cabo ou para os piratas da web.

domingo, 11 de setembro de 2011

A Árvore da Vida Fugaz de Lars Von Trier

A evolução fez do homem o animal que não luta para sobreviver. Evita e teme a morte e assim vai vivendo. Seríamos então condenados a construir a eternidade com ação, criação, procriação e esperança e fé na ciência, na religião, na arte, na matéria ou na loucura.

“Melancolia” nos transforma em bichos-homens e cria um laboratório sobre o fim da condição humana. Põe os civilizados na jaula e observa as reações diante da iminente extinção. Os ratinhos de Lars Von Trier vão revelar o quanto somos frágeis, desorientados, egoístas e incapazes de aceitar o óbvio.

O realizador dinamarquês escolhe uma das fórmulas inventadas para distrair a morte (a união entre homem e mulher e a garantia do futuro da espécie) para conduzir a experiência. O casamento da deprimida Justine (Kirsten Dunst) e Michael (Alexander Skarsgård) serve de partida para o cataclismo.

A patética cena de abertura reflete o descompasso entre o natural e o ideal classe média que marca o longa-metragem: o casal e um chofer, atolados dentro de limousine branca, tentam vencer uma estrada que comportaria dois cavalos e uma carruagem. A vitória do artificial é apenas momentânea.

A cerimônia que espera por Justine e Michael é a decomposição acelerada do corpo. A equilibrada irmã da noiva, Claire (Charlotte Gainsbourg), e o marido rico e seguro John (Kiefer Sutherland) são usados por Von Trier para dissecar a crença de que a lógica e a ciência podem nos salvar.

Nesse universo, Claire será uma estrela em oposição a Justine. Esta se afunda no pântano ético, social e emocional do que sobrou de uma festa numa mansão distante da cidade organizada por aquela, a mãe de um belo menino, filho de um capitalista racional até o último gole de champanhe.

A escuridão do fim do túnel vai inverter o papel. A inerte e doente Justine ganha luz na “loucura” e na fantasia, enquanto Claire e John desmoronam. Respostas extremas a um problema da mesma magnitude.

O diretor cria uma tela com traços de filme científico, onírico e psicológico. Três estilos - que jutos podem resultar em uma estética grotesca e inverossímil – se fundem como se fossem da mesma substância. “Melancolia” surge aos nossos olhos como um ensaio bem acabado sobre o medo e a insanidade.

As cobaias contribuem com Von Trier. Charlote e Kirsten, engrenagens binárias da roteiro, trocam de papeis sem sobressaltos. O resto do elenco também segue a risca a marcação que ajuda a compor o pesadelo individual e planetário desenhado pelo cineasta.

Os efeitos especiais e a fotografia dão cores e créditos que a obra - de extremos - precisa para não se tornar um viagem inalcançável do criador e ser tocada pelo (e tocar o) público. Pintam um quadro entre o fantástico e o realismo.

Quase todos os ratinhos acompanham a triste batuta do diretor que conduz todos ao precipício. À frente Justine. Apoiada pela imensidão azul do planeta Melancolia, a jovem drogada por uma fantasia poética surge como a heroína deste bom filme.

“Melancolia” e Von Trier salvam apenas um: lúcido, um empregado vai se proteger no vilarejo próximo (para onde Claire tenta fugir sem sucesso), o paraíso citado e nunca visto onde talvez a vida ainda persista.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Midnight in Paris: bela fantasia trocada por euros

A fantasia é um lago sem fundo. E os (des)iludidos costumam ser presas fáceis nessas águas turvas.

A psicologia rasteira e barata da resenha cinéfila está em cartaz no complexo de salas mais próximo de casa. Por R$ 20 tem-se diversão densa, passageira e inteligente.

“Meia-Noite em Paris” é diversão (um conto de fadas) densa (com intelectuais e artistas sofisticados), passageira (romance na França) e inteligente (uma crítica a Hollywood à Hollywood).

O novo de Woody Allen é simples diversão como uma fábula do roteirista comercial americano Gil (Owen Wilson) que, ao ter o sonho de ser um respeitado escritor cerceado pela noiva Inez (Rachel McAdams), pelo sogro e pela sogra pragmáticos e consumistas, se deixa levar por uma abóbora-carruagem diretamente para o conforto do passado mais-do-que-perfeito.

A história da fuga do real recebe pinceladas de literatura, de cinema, de música e de artes plásticas. Um time fantástico de enlouquecer qualquer candidato ao Pulitzer ou ao Nobel: F. Scott Fitzgerald, Zelda Fitzgerald, Cole Porter, Joséphine Baker, Pablo Picasso, Luis Buñuel, Salvador Dali...

A seleção permite a Allen ensaiar jogadas que fazem o público rir de referências das letras, das tintas, das notas e das telas. O encontro do artista-produto de 2010 com os ídolos da década de 20 não é um choque cultural. A vanguarda e a modernidade comungam dos mesmos desejos, prazeres, alegrias e melancolias. O impossível é aceito sem rugas e somos convidados a participar da festa.

Gil, como Allen, se banha em doses homeopáticas de sonho até se sentir ligeiramente alegre. A fantasia do aspirante a escritor é a infiltração que ele precisava para minar a realidade alavancada e reconstruir uma mais simples e humana.

O roteiro do diretor evita drama e provoca risos. Em Paris, a viagem no tempo e no espaço não causa solavancos para quem vê. É um surrealismo naturalista que flui nas interpretações teatrais dos ‘personagens históricos’, woodyalliana de Owen Wilson e correta de Rachel McAdams e de toda a trupe americana que a cerca.

A história, o elenco, a direção e os belos figurinos, cenografia e fotografia que reforçam os três tempos do filme valem os R$ 19,50 do ingresso. O trocado que falta é dado por Allen com suaves arranhaduras a uma ‘Hollywood’ descartável e rasa. “Meia-Noite em Paris” é o bom cinema americano que mergulha no lago da fantasia com estilo e elegância, simula erudição, faz autocrítica e emerge seguro com o previsto.

Personagem e diretor sabem que cinema e literatura de qualidade não são feitos por encomenda, com raras exceções fora da Renascença. O primeiro renunciou a (quase) tudo. O segundo não quis pagar para ver. Fez bonito e recebeu em euros.

sábado, 4 de junho de 2011

"Copia Fiel": A Marca Vermelha do Cinema Original

O cinema é das massas. A obra parida para a coletividade é mais arte quando do simples vai ao complexo sem aparentemente fazer um movimento sequer. "Copia Fiel" ("Copie Conforme") é simples: um diálogo entre uma fã e o objeto-escritor; dois monólogos de um casal em crise. É complexo: um diálogo entre um objeto-escritor e a esposa; dois monólogos de uma fã e do marido.

A primeira experiência ocidental do iraniano Abbas Kiarostami é um jogo. Um game que o filho da mulher-fã opera, no início do filme, com a mesma destreza do diretor ao longo de 106 minutos. A participação do adolescente não passa dos 10 ou 15 minutos iniciais. Serve como prólogo. Ele ou qualquer outro personagem infringiria a regra-par que segue o roteiro. São dois e quatro.

Às massas, o filme joga uma história de admiração de uma sofisticada francesa dona de antiquário (Juliette Binoche) por um escritor britânico (William Shimell). E continua oferecendo petiscos refinados e digeríveis durante o passeio da dupla por ruas da Toscana e galerias de um museu. É um vôo raso que prepara para o choque adiante.

É o impacto contra o espelho. O prato principal é servido em poucos minutos. Em uma cena (num café) faz-se o filme. A dupla é vista e se vê como um casal. Ou o casal deixa de ser visto e de se ver como uma dupla.

"Cópia Fiel" segue espelho adentro e vamos juntos rindo com os lábios meio trêmulos de quem desconfia do que vê. A dúvida instalada é sustentada pela interpretação da dupla Binoche-Shimell, pelos diálogos de Kiarostami e pela fotografia de Luca Bigazzi.

Binoche, premiada em Cannes-2010, e Shimell dão a certeza de quem são seus personagens: cópias e originais. Diretor e fotógrafo usam bem as tintas e as colas e montam um quadro naturalista.

Os exageros (da cópia ou do original) estão em poucos e exatos momentos na segunda parte do filme. O batom vermelho na boca de Binoche se repete pelas mãos de Kiarostami em doses equilibradas de nonsense, como os encontros do casal com outros de sua espécie, e pela de Bigazzi na cena-pintura do quarto de hotel.

"Copia Fiel" é Cinema (de sétima) Arte. A massa se deleita com teses do que é real (o escritor e dona de antiquário) e do que é falso (o marido inglês e a mulher francesa). Do que é verdade (o casal em crise) ou do que é representação (o autor e a fã). Quem gosta de cinema, também!

terça-feira, 29 de março de 2011

Incêndios: Soma e Subtração de Emoções
















Um doutor de matemática explicaria “Incêndios”, longa canadense indicado ao Oscar 2011 na categoria de filme estrangeiro, assim: são duas retas paralelas em sentidos contrários que se chocam.

Uma mãe parte do passado e segue até um presente de onde a filha retorna ao encontro da origem da família. As duas trajetórias do roteiro usam a história da guerra política-religiosa de um país árabe (provavelmente o Líbano) para tentar dar lógica a uma sucessão de fatos e emoções tão surpreendentes quanto a fala de um dos personagens: 1+1 = 1.

A questão do problema é formulada no testamento que Nawal Marwan (Lubna Azabal) deixa para os filhos gêmeos: entregar uma carta ao pai e outra ao irmão, desconhecidos e desaparecidos. A sensível Jeanne Marwan (Melissa Désormeaux-Poulin) larga as aulas de... matemática e vai para o Oriente Médio tentar decifrar o mistério dos Marwan. Começa só. Depois, recebe a ajuda do pragmático irmão Simon (Maxim Gaudette) e do ex-patrão da mãe, o tabelião Jean Lebel (Rémy Girard).

Quando Jeanne entra em ação, o diretor Denis Villeneuve aperta o play da vida da jovem cristã Nawal. As cenas (políticas e pessoais) de mortes, perdas, resistência e dor nos anos 70 são montadas para fluir com as descobertas feitas pelo casal de irmãos no século XXI. As narrativas simples fazem de “Incêndios” um filme bom e didático que tem na raiz uma tragédia complexa e humana.

O bom trabalho de elenco, com destaque para Lubda Azabal, e a fotografia de poucas cores dão credibilidade ao tom realista impresso na tela. Villeneuve preferiu não arriscar. Fez um drama pessoal, baseado na peça do libanês radicado no Canadá Wadji Mouawad, com reviravoltas que emocionam menos pelo inusitado e mais pela verdade quase sempre presente.

“Incêndios” é uma obra calculada seguindo a lógica da surpresa. Agrada a quem não duvidar da tese de que 1 - 1 = 1.