A fantasia é um lago sem fundo. E os (des)iludidos costumam ser presas fáceis nessas águas turvas.
A psicologia rasteira e barata da resenha cinéfila está em cartaz no complexo de salas mais próximo de casa. Por R$ 20 tem-se diversão densa, passageira e inteligente.
“Meia-Noite em Paris” é diversão (um conto de fadas) densa (com intelectuais e artistas sofisticados), passageira (romance na França) e inteligente (uma crítica a Hollywood à Hollywood).
O novo de Woody Allen é simples diversão como uma fábula do roteirista comercial americano Gil (Owen Wilson) que, ao ter o sonho de ser um respeitado escritor cerceado pela noiva Inez (Rachel McAdams), pelo sogro e pela sogra pragmáticos e consumistas, se deixa levar por uma abóbora-carruagem diretamente para o conforto do passado mais-do-que-perfeito.
A história da fuga do real recebe pinceladas de literatura, de cinema, de música e de artes plásticas. Um time fantástico de enlouquecer qualquer candidato ao Pulitzer ou ao Nobel: F. Scott Fitzgerald, Zelda Fitzgerald, Cole Porter, Joséphine Baker, Pablo Picasso, Luis Buñuel, Salvador Dali...
A seleção permite a Allen ensaiar jogadas que fazem o público rir de referências das letras, das tintas, das notas e das telas. O encontro do artista-produto de 2010 com os ídolos da década de 20 não é um choque cultural. A vanguarda e a modernidade comungam dos mesmos desejos, prazeres, alegrias e melancolias. O impossível é aceito sem rugas e somos convidados a participar da festa.
Gil, como Allen, se banha em doses homeopáticas de sonho até se sentir ligeiramente alegre. A fantasia do aspirante a escritor é a infiltração que ele precisava para minar a realidade alavancada e reconstruir uma mais simples e humana.
O roteiro do diretor evita drama e provoca risos. Em Paris, a viagem no tempo e no espaço não causa solavancos para quem vê. É um surrealismo naturalista que flui nas interpretações teatrais dos ‘personagens históricos’, woodyalliana de Owen Wilson e correta de Rachel McAdams e de toda a trupe americana que a cerca.
A história, o elenco, a direção e os belos figurinos, cenografia e fotografia que reforçam os três tempos do filme valem os R$ 19,50 do ingresso. O trocado que falta é dado por Allen com suaves arranhaduras a uma ‘Hollywood’ descartável e rasa. “Meia-Noite em Paris” é o bom cinema americano que mergulha no lago da fantasia com estilo e elegância, simula erudição, faz autocrítica e emerge seguro com o previsto.
Personagem e diretor sabem que cinema e literatura de qualidade não são feitos por encomenda, com raras exceções fora da Renascença. O primeiro renunciou a (quase) tudo. O segundo não quis pagar para ver. Fez bonito e recebeu em euros.
segunda-feira, 27 de junho de 2011
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